A Maria e o velório

Certo dia na cidade o alto-falante tocou a Ave Maria e anunciou a triste notícia. Houve grande comoção, pois faleceu um homem conhecido por todos da região. Quer dizer, nem todos...

E ele era o pai de uma colega de classe e grande amiga. Por isso, naquele dia, dispensaram-nos das aulas e fomos todos para a casa da nossa amiga prestar uma última homenagem ao seu pai.

Faço aqui uma paradinha na narração para um momento "cultura inútil": Hoje em dia os mortos são velados numa sala no cemitério onde serão enterrados, mas nem sempre foi assim. Numa outra época, que não é a minha nem a sua os corpos eram velados nas residências até o momento de serem levados em cortejo ao cemitério. Acho que em algumas regiões do nosso Brasil ainda é assim.

Voltando ao causo. Quando chegamos ao velório fomos para a sala da casa que já estava lotada de parentes, amigos e conhecidos, além da nossa turma da classe. O caixão estava posicionado no centro da sala coberto de flores. Havia coroas de flores espalhadas ao redor.

De repente vejo a Maria, que anda ao contrário, entrar na sala. Ela se achega ao caixão e começa rezar. Depois encara a face do morto num longo silêncio como se estivesse se lembrando de passagens da vida do defunto. Então ela o beija no rosto. Ela fica ali por um tempo contemplando aquela face gelada. Depois beija, beija e beija as mãos do morto e em seguida vai até os pés do defunto e começa a beijar sem parar...

Todos na sala ficam olhando estupefatos para aquela cena, inclusive viúva e filhos. Quem era e por que aquela franzina mulher prestava ao morto homenagem tão carinhosa. Uma saraivada de beijos.
Então ela se afasta do caixão, não cumprimenta nem fala com qualquer pessoa da sala e vai em direção à porta da cozinha.

Curiosa eu também fui para a cozinha e vi quando Maria atacou um bolo de milho com o mesmo entusiasmo com que beijou o defunto lá na sala. Numa mão um pedaço de bolo e na outra uma coxinha suculenta.

Pensei que teríamos dois velórios de tanto que a Maria comia naquela cozinha. Depois de sorver uma última caneca de café quente ela se aproximou de mim. Justo de mim. E perguntou.
- Conhece o defunto?
- Sim conheço.
- É quem?
- Bom, a senhora está no velório do seu Pedro Dias. Ele é pai da minha amiga Jandira.
- Ah, o pai da sua amiga... Morreu... E... Diga-me lá, ó menina. Morreu di que hein? Morreu di que?

É isso mesmo que está pensando. Ela entrou na casa, beijou o defunto com tanto ardor e intimidade que deixou a viúva com a pulga atrás da orelha. Foi pra cozinha, comeu e bebeu até quase fazer companhia ao defunto na sala, e não tinha a menor ideia de quem estava beijando, qual o nome do dono da casa ou do que o falecido havia morrido.

Um homem na cidade, conhecido por todos, faleceu. Quer dizer, todos menos a Maria. Mesmo assim, ela beijou muito e comeu e bebeu até quase enfartar. E foi embora satisfeita.
Imagina então se fosse amiga da família o que não poderia ter acontecido. Era capaz de ter esticado uma rede na sala pra tirar um cochilo ao lado do morto. É cada figura que aparece que dá a impressão que é personagem de romance.

Não vá embora, fica que vai ter bolo. Aproveita e deixe registrado a sua opinião.

Comentários

  1. Essa foi muito boa, achei muito engraçada esta história da tal Maria. Que figura hilária mesmo! E só vc pra nos fazer "ver" a cena toda. Valeu querida, vc é demais. Beijos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Volte sempre que sentir saudades. E por favor, registre aqui a sua opinião:

Postagens mais visitadas deste blog

Poda

A Partida (na visão de quem fica)

A minha mãe não morreu.