Esperança


Depois de um longo dia de trabalho ligo a TV para saber as boas novas.E o que vejo? Jovens saudáveis e bonitos contando como atearam fogo numa mulher  só porque ela tinha apenas míseros trinta reais. A vida desta mulher custou trinta reais.

Em seguida, não só ouço o jornalista narrar como assisto ao “Big Brother” da vida real aonde um homem vai até uma pizzaria reclamar com o proprietário por causa de uma entrega de pizza. O proprietário saca uma arma e o ameaça. Tudo isso acontece na frente das duas filhas do cliente descontente. Essa cena já seria chocante o suficiente, mas não! Ele atira, de novo e de novo. E uma das filhas vai parar na UTI com uma bala cravada na cabeça. A vida desta menina custou o equivalente a uma pizza. A ignorância de dois homens.

E o apresentador muda de tema e penso: - Espero que seja algo mais leve.Então ele informa que grande parte das casas e apartamentos do projeto “Minha casa minha vida.” está com problemas de rachaduras, infiltração, infraestrutura. Inclusive tiveram que demolir alguns prédios antes mesmo de serem ocupados pela população. Esse desperdício custou o tempo, o suor, e o dinheiro do trabalhador brasileiro.

Mais uma vez o jornalista muda o assunto e diz: A polícia procura o grupo que assaltou o restaurante. Segundo testemunhas, quem liderava o assalto e empunhava a arma para os clientes era um garoto de onze anos.Novamente penso: - Onze anos... Qual é a idade que estão pedindo para a maioridade penal mesmo?

Comercial. Ufa, até que enfim um refrigério a tanta desgraça. Por pouco tempo, claro.

E o jornalista inicia com: “Duas pessoas foram baleadas num restaurante, na noite passada, ao tentarem desarmar o bandido.  E atenção! Aumentou o número de arrastões em condomínios. Os bandidos usam moradores para entrar nos apartamentos e render as vítimas, inclusive usando métodos de tortura. E agora vamos falar de futebol. Vamos ver como está o andamento dos estádios para a Copa!”. Desliguei a TV. Melhor mesmo é ir dormir.

O que está acontecendo com as pessoas? Estupro na Índia. Pedofilia no Velho e Novo Mundo. Massacre no Oriente. Bombas mutilando crianças que foram ver os pais na maratona. Políticos condenados assumindo cargos. Político procurado pela Interpol falando na TV que “No meu governo havia mais segurança.”. Macarrão. Bola. Bruno. Elisa. Economia porca que gera incêndio e a morte de mais de duzentos jovens. Cidades turísticas escorrendo com as enxurradas das chuvas. Bêbados atropelando, matando, pagando fiança e saindo pela porta da frente das delegacias. Justiça que liberta os nove bandidos que assaltaram o hotel no Rio. 

Quero acordar deste pesadelo. Fugir deste apocalipse.

No meio da noite acordo. Uma dor no peito... A respiração ofegante... O corpo banhado em suor. Será um infarto? Efeitos do climatério? E uma enorme e inexplicável tristeza invade o meu ser. Vou à cozinha. Tomo um copo de água. Volto para a cama. Em vão fecho os olhos, pois o sono não vem. Amanhece.

Abro a janela do quarto. O céu azul e a luz do sol invade meu quarto, mas ainda pode-se ver a lua. Na varanda há bem-te-vis brincando na quaresmeira. No telhado dois pequenos passarinhos dando seus primeiros voos. Na árvore da calçada um bando de maritacas faz uma algazarra antes de debandar. Enquanto isso o casal de joão-de-barro andam apressados pelo quintal em busca de suprimentos. E as borboletas multicores bailam por entre o verde exuberante das folhagens e das coloridas azaleias, exoras e Maria sem vergonha.

Respiro fundo e me lembro de um amigo distante, Leonel Fonseca, que me lançou o desafio de escrever sobre o amor.  Que desafio.

Depois de tanta notícia desanimadora na noite anterior poder apreciar toda essa beleza e delicadeza da vida é um refrigério para a alma. É a mais pura graça.

Então meu coração se enche de esperança. Eu acredito no amor quando vejo o Arthur preparando com tanto carinho uma sopa quentinha para a Nina que acabara de chegar cansada do trabalho.

Ela se renova quando percebo o carinho e o cuidado da Carol com seus amigos. Ao vê-la ajudar estranhos nas ruas, ao se importar e defender os marginalizados, os que não tem voz.

Vejo esperança para o mundo na dedicação e no amor do Luiz para com as crianças especiais com quem ele trabalha e na sua maneira prestativa e servil com o próximo.  

O amor e a esperança estão na dedicação de pessoas desconhecidas dando e se doando nos momentos de tragédias; no voluntariado;  nos resgates, no trabalho dos médicos sem fronteira, na renovação da vida, no nascimento...

Ainda há esperança. Ainda há amor nos pequenos gestos, nas atitudes. A cada novo ser que nasce. Em cada amanhecer renova-se a esperança e o amor.

Comentários

  1. Senti vontade de chorar. Na verdade, chorei. Porque sofro com a dor do mundo, que às vezes toma muito mais espaço no meu coração que a minha própria dor.

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