A minha mãe não morreu.

Diz a sabedoria popular que filhos são como os dedos das mãos. Um é diferente do outro.  E eu digo que isto também é válido para as mães. Todos nós podemos encher a boca e dizer que temos a melhor mãe do mundo. Porque temos. Cada mãe é um ser único. E o amor que a mãe sente por seus filhos também é especial e único.

Hoje, 26 de setembro, minha mãe completa 86 anos. Teve onze filhos, vinte e três netos e bisnetos a perder de vista. E somos todos diferentes. Cada qual com sua singularidade.
Quando soube da morte de minha mãe, o chão abriu sob os meus pés. Meus muros ruíram e desabei num pranto enlouquecido de tanta dor. Recomposta, fui ao hospital ter com os outros irmãos. E lá mergulhei num triste silêncio anestesiador.

Durante o funeral aproximei-me de seu caixão no máximo umas três vezes.  Minhas irmãs se revezavam o tempo todo em volta dela. Entoavam cânticos e orações, mas eu... Eu preferi ficar sentada numa mureta olhando as árvores e flores do lugar. Só me aproximei dela, novamente,  quando do sepultamento. Foi a última vez que estive naquele lugar. Nunca mais voltei.

Minhas irmãs, sempre que podem, vão visitá-la. Dia das mães, aniversário, finados... Levam flores, limpam a placa de bronze, contam-lhe as novidades. Todos os filhos. Menos eu. Filhos são como os dedos da mão. São diferentes. E para mim, a minha mãe não morreu.

A minha mãe está aqui comigo. Eu a vejo quando estou no jardim mexendo com as plantas ou quando as orquídeas florescem. Minha mãe está comigo quando preparo bolo para receber as minhas filhas e genros. Como ela fazia comigo. Enxergo minha mãe em minhas palavras e atitudes.

Eu vejo minha mãe em cada irmão. Na Guiomar quando está com a casa cheia, a mesa posta, lotada de delícias. Aquele cheiro de temperos por todos os lados. Eu vejo minha mãe em todos os gestos da Guiomar. O mesmo jeito e alegria em receber e alimentar a família. A minha mãe está nela.

Quando olho para a Vivi, no alto dos seus setenta e dois anos, linda, e  com aquele sorriso que quebra qualquer mau humor, a minha mãe está lá. Já me disseram que ver a Vivi dormindo é ver a minha mãe dormindo. 

Quando vejo o sorriso gostoso da Neusa, o carinho do Beto, a tranquilidade do Zé, o dengo do João com os irmãos, as habilidades manuais da Maria, o pragmatismo da Jê, a malevolência da Nicinha e a praticidade da Edina, consigo enxergar em cada um de meus irmãos uma parte da minha mãe. Um pedaço dela está em cada um de nós.

Cemitério é o fim de tudo. Lugar dos mortos. O que é finito. Só que minha mãe não está lá. Ela está em cada filho que ficou. Em cada gesto. E em cada olhar. Nas festas, almoços, no “pão da Vó”.
   

Portanto, a minha mãe não morreu. Somos onze ”Iracis”.  Feliz aniversário mãe.


Comentários

  1. Querida,
    A forma como você descreve sua mãe me encantou.
    Para encontrá-la na natureza e em tantos traços acolhedores nos seus irmãos, intuo que você herdou a singeleza e o seu jeito meigo de ser.
    Obrigada por apresentá-la !
    Beijos,
    Jackie

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  2. Ela deixou um pouquinho dela...em cada um de vocês ... só pra deixar todos com cara de saudade.

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  3. Texto corajoso e sensível.

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  4. Parabéns Helô. Muito lindo.

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  5. Lindo e sensível texto. Quem sabe a sensibilidade e a forma carinhosa de descrever a presença de sua mãe em seus irmãos ,seja a marca da Iraci em você. Um beijo

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  6. Fernando Luiz dos Anjos9 de outubro de 2014 às 16:48

    Encantador o seu texto..., vou recomendá-lo às minhas filhas.

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  7. Somos eternos em nossos filhos, carregamos em nosso DNA os nossos pais, repito frases, tenho hábitos, todos com a mesma origem, o mundo não me mudou tanto assim, sou Jesuina e Gabriel em cada detalhe

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