Perfumes e sons do Natal

Cheiro de natal... Perfume de natal... Você já ouviu esta expressão alguma vez?
 Para mim o natal sempre foi especial por causa do perfume que as casas exalam na semana do natal. Quanto mais se aproxima a data de aniversário do menino Jesus, mais forte fica o perfume exalado pelas casas. Sinto cheiro de caramelo no fogo, frutas frescas, carne assada, biscoitos com raspas de limão, rabanada... Ouço os ruídos das pessoas preparando a ceia. Ah como é bom sentir o cheiro das delícias sendo preparadas para comemorar a vinda do Menino.

Quando eu era bem pequenina, no interior do Paraná, eu me lembro de uma vizinha que preparava fornadas de biscoitos em forma de pinheiro, estrela, boneco, bola de natal. Ah que cheiro maravilhoso! E a decoração desses biscoitos? Depois de frios ela os decorava com glacê real, uma mistura de açúcar com suco de limão e corante. Ela fazia delicadas flores nas bolinhas, contornava as estrelas com glacê amarelo, rosa, azul... Fazia olhos e bocas nos biscoitos em forma de boneco. E depois de tudo pronto eles podiam ser pendurados na árvore de natal para serem devorados no dia do natal. Mas quem consegue ficar olhando para um biscoito tão lindo e perfumado pendurado numa árvore esperando até o dia do natal?

Eu não me lembro de ter visto minha mãe fazer esses biscoitos, mas tenho a lembrança da vizinha nos presenteando com uma fornada desses biscoitos. Fecho os meus olhos e vejo a delicadeza dos biscoitos. Sinto o perfume de baunilha e raspas de limão.. Lindos biscoitos decorados, uma tradição nos estados do sul do Brasil.

Natal para mim sempre foi um momento especial, onde meus irmãos e eu nos reuníamos para cearmos juntos e trocar presente. Um momento especial em que minha mãe se sentia a mulher mais feliz do mundo, pois ela tinha em sua casa quase todos os onze filhos, netos e bisnetos.
Véspera de natal era um dia agitado na casa da minha mãe. Ela levantava muito cedo, eu diria madrugada, para alguns. E lá ia ela, pequenina, a querida “Nega”, como meu pai carinhosamente costumava chamá-la, rumo à cozinha preparar a ceia da meia noite.

Fomos crescendo e saindo de casa para formarmos nossa família, mas a ceia de natal continuava no mesmo local: a casa da dona Iraci. Quem não se lembra dela descascando alho e cebola para usar nos pratos salgados? Ficava uma trilha de cascas pelo chão da cozinha. Era assim que ela gostava de fazer.
Nos últimos anos, com o avanço da diabetes e suas complicações, os filhos foram tomando conta da cozinha para que ela não tivesse trabalho em preparar a ceia.

Bem, isso era o que combinávamos, mas quem disse que ela concordava? Na véspera do natal ela acordava bem cedinho e vestida no seu peignoir (não sei se é assim que se escreve, mas nós falávamos penhoar) e ia pra cozinha iniciar os preparativos da ceia. E como era de praxe, dona Iraci iniciava o dia descascando alho e cebolas e ia derrubando as cascas pelo chão. E uma das minhas irmãs então falava:
- Mãe, eu acabei de varrer a cozinha. Eu não falei que não precisava fazer nada? Seus filhos vão trazer tudo pronto. Não precisa se preocupar. A Helô vai trazer bebidas e frutas, O Betinho vai trazer uma carne e uma massa, a Gui vai trazer a sobremesa, a Maria o peru. E a senhora, é para ficar bem bonita para esperar os filhos.

Como podiam pedir isso para a “Nega”? Justamente ela, famosa pelo seu frango e seu pudim de leite? Não, não e não!  Então ela começava a mágica em sua cozinha e dela saíam os mais deliciosos perfumes.
Certa hora minha irmã dizia:
- Mãe, a senhora não vai tomar um banho e tirar esse peignoir (penhoar)? Seus filhos já estão chegando e ainda não se arrumou.
Então ela saía da cozinha, que estava “virada no avesso” e se apressava em se preparar para receber seus filhos.

Cada filho que chegava colocava o prato especial de natal sobre a mesa e as bebidas na geladeira. E a casa era tomada por perfumes variados. As crianças, ruidosas, brincavam ansiosas pela hora de abrir os presentes, enquanto os homens ficavam na sala bebendo, petiscando e conversando. As mulheres ficavam reunidas terminando de aprontar a mesa da ceia. E incrivelmente todas conversando diversos assuntos simultaneamente, coisa que só mulher consegue fazer (desculpe-me homens).

De repente, aparecia minha mãe, pequenina, toda perfumada, e entrava na cozinha como se fosse uma rainha. Então ela ia para o fogão e depois voltava com seu frango e o colocava sobre a mesa ao lado dos outros pratos. E os filhos em coro diziam:
- Mãe, não era pra você ter cozinhado. Nós combinamos de trazer tudo para que não tivesse trabalho algum.
Ela simplesmente respondia:
- Eu todo ano cozinhei no natal...
E uma mais gulosa complementava:
Isso porque vocês ainda não viram o pudim de leite que a vó fez...
E dona Iraci circulava entre os filhos dizendo:
- Betinho você está bem? Lu você deu a cerveja pro Joãozinho? Luizinha, eu fiz a saladinha que você gosta...

E terminávamos todos alegremente em volta da mesa, comendo, bebendo, conversando diversos assuntos... E o cheiro? Cheiro de amor, de família, de união.
O frango e o pudim de leite? Não sobrou nada pra contar história. Dona Iraci, era o elo forte da família que fazia a mágica de unir filhos, netos e bisnetos.

Depois que ela se foi ficou apenas a saudade e o perfume do seu pudim de leite e da família reunida em volta da mesa com todos falando ao mesmo tempo enquanto ela circulava feliz pela cozinha, pois seus filhos estavam ali, com saúde e comendo seu pudim de leite.
Para mim, ao partir ela levou consigo parte da magia do natal. Cheiros e perfumes se perderam...
Hoje gosto de imaginar que ela deve estar lá no céu preparando um pudim de leite para o Menino comemorar o seu aniversário. Heresia? Não, apenas minha imaginação de final feliz.

E eu aguardo o dia em que estarei preparando o meu pudim de leite ansiosa para receber minhas filhas, genros e netos e assim continuar o natal de perfumes, sons e sabores.
Desejo a todos um Feliz Natal, perfumado e saboroso, com sons de risos.

Por favor, registre sua opinião. Um simples gostei ou um radical não gostei me deixará muito feliz. 

Comentários

  1. Só quando a conheci e ela me acolheu como a nona filha como ela dizia, aprendi a gostar de tudo isso. Também espero um dia viver tudo isso de novo.Te amo mãezinha!

    ResponderExcluir
  2. Que coisa mais linda é família, não é Helô?! Família é isso, natal é isso, felicidade é isso.
    Belo texto. Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Cris Grangeiro, obrigada pela gentileza. Estou treinando para um dia escrever tão bem quanto você. Também agradeço ao Bruno Grunig, um pacato cidadão, metido a escrever (palavras dele) que deu uma força...

    ResponderExcluir
  4. Quase chorei.... Algumas pessoas são e dão o sentido ao natal né? De fato, nunca mais foi o mesmo... Acho que você também não, né?
    Eu morro de medo do dia em que meu aniversário não terá mais sentido também... Sem uma pessoa narrando "No dia 21 de Setembro..."
    Espero que isso demore muitos e muitos anos pra acontecer. Eu te amo, mãe.

    ResponderExcluir
  5. Querida Heloiza

    Muito lindo seu texto sobre o Natal!Amo essa época do ano, também sinto cheiros no ar... E as músicas tradicionais? Quase não se ouvem mais...uma pena!!! Ainda bem que tenho meus CDs de Natal! Minha avó fazia aniversário em 24 de dezembro e minha família toda se reunia para comemorar o Natal e o aniversário dela. Era muito gostoso! Mas isso já faz tempo...
    Bjs

    ResponderExcluir
  6. Helô, parabéns mais uma vez, linda narrativa gostei d+ faz o passado retornar de qdo eramos pequenos. Feliz natal a todos, Abss

    ResponderExcluir
  7. Não segurei o choro... Que saudades!
    Bj, Bj, Bj,
    Sil

    ResponderExcluir
  8. Helô, vc deixou minha mãe emocionada com esse texto.... Parabéns!

    ResponderExcluir
  9. Querida...
    Creio que é a tradução de Natal de muita gente... fiquei com saudades também.
    Desejo esse Natal! Todos os dias de 2012.
    Beijos,
    Jackie

    ResponderExcluir
  10. Oi, Helô, não sou muito ligada em Facebook e ficar postando para amigos, mas estes sons de Natal foram muito importantes para mim....... Hoje sou eu que faço os sons de Natal, que alegria Deus nos permite viver! Abs, Nadia

    ResponderExcluir
  11. Gsotei, está muito bom.

    ResponderExcluir
  12. Adoro a sua maneira de escrever,simples e direta
    pode e deve continuar, fico esperando...
    beijos Bela.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Volte sempre que sentir saudades. E por favor, registre aqui a sua opinião:

Postagens mais visitadas deste blog

Poda

A minha mãe não morreu.

A Partida (na visão de quem fica)