A Partida (na visão de quem fica)
Introdução: Facebookando com o Rodrigo Arnaut, ele comentou que estava realizando um filme chamado "A partida". O filme fazia parte de um projeto transmidia do grupo (nascido nas reuniões de estudos na ESPM) chamado Era Transmidia. Devido a minha empolgação sobre o assunto Rodrigo lançou-me um desafio: Deu-me 24 horas para criar alguma coisa que pudesse ser aproveitada no projeto.
Então ele enviou o roteiro criado pelo Eduardo José Jatobá. E baseado no que eu vi, resolvi fazer um texto sobre "A partida", mas na visão dos pais que ficaram no interior, sem notícias. Foi aí que surgiu a carta da mãe, dona Martha. Mas como esta carta poderia surgir nas mãos do filho que partiu sem deixar endereço? Lendo o roteiro, vi que havia a personagem Solange, dona de uma venda. Esta personagem serviu-me de ponte para fazer a carta chegar nas mãos do filho que partiu.
Pedi autorização ao Rodrigo Arnaut para compartilhar aqui no blog o texto que criei. Espero que gostem.
A Partida (na visão de quem fica)
Oi Jatobá
tudo bem? Envio esta mensagem porque estou num tremendo dilema e preciso da sua
ajuda. Você sabe que morei muitos anos numa cidadezinha no interior de
Pernambuco antes mudar para Recife.
Pois então,
nesta cidadezinha, que mais parecia um vilarejo, eu tinha uma loja que
vendia de tudo. Era a única venda da região.
E tinha uma senhorinha muito simpática, que era minha freguesa,
seu nome era Martha. Ela era casada com seu José e os dois viviam da lida na roça. Seu único filho, que
era o radialista da cidadezinha, resolveu partir para São Paulo em busca de
melhores oportunidades.
Certo dia eu
estava na minha venda quando dona Martha apareceu e me pediu um favor. Ela
perguntou se eu ajudava a escrever uma carta para o filho que partira para São
Paulo, e também se eu podia enviar a carta.
Fiquei tão
desconcertada com o pedido, que ao ver a carinha dela triste e sofrida,
aceitei. Mesmo sabendo que seria impossível enviar a carta sem ter o endereço
do destinatário. Principalmente num lugar imenso como São Paulo.
Bem, eu
ajudei-a na cartinha e me comprometi a dar um jeito dela ir parar nas mãos do
filho amado. Claro que isso não aconteceu. Não tive coragem de dizer a verdade
ao ver seus olhinhos cheios de esperanças. E acabei guardando a carta numa
caixa qualquer.
Esses dias eu
encontrei uma conhecida, lá da cidadezinha, e ela falou que o filho da dona Martha voltou para buscar os
pais e a namorada, mas seus pais já haviam falecido. E essa conhecida comentou
que o filho João voltou à São Paulo.
Remexendo
meus guardados encontrei a cartinha de dona Martha, e eu estou enviando-a para
você, que mora em São Paulo, localizar o João e entregá-la. Acho que ele tem o
direito de ficar com ela, mesmo tendo passado tanto tempo. Ele merece saber o
que sua mãe estava sentindo.
Eu soube que
ele trabalha numa rádio aí em São Paulo. E se eu não me engano a rádio se chama 27 Estrelas. Com
essa coisa de redes sociais (Facebook, Twitter), e eu sei que você gosta disso,
acho que fica fácil de localizar o filho da dona Martha.
Obrigada
amigo, fico te esperando aqui em Recife pra gente tomar aquela cervejinha gelada
na praia.
Ah, eu reescrevi
a carta dela, mas vou anexar a original que a dona Martha escreveu. E aí você
resolve se entrega ou não para o moço.
(Carta da
dona Martha)
Meu filho amado.
To aqui na venda da Dona Solange pra ela me ajudar a
escrever pra você. Você sabe que eu mal e mal sei escrever. Então pedi pra Dona
Solange me ajudar.
Você desculpa meus erros, mais quis escrever de próprio
punho essas poucas palavras.
Filho amado. Quando partiu levou contigo um pedaço de mim.
Levou também as cores das flores, da relva e do céu. Também levou contigo os
sabores e o doce do mel. E fiquei aqui sentindo apenas o gosto do fel.
Filho amado. Seu pai e eu temos vivido da lida da roça de
sol a sol, chegando cansados em casa e encontrando um vazio de doer o peito.
Seu pai, coitadinho, num fala nada, mas eu vejo no rosto dele o sofrimento da
saudade e da falta que você faz.
Depois que partiu fiz o que pediu, soltei o canário.
Quando abri a gaiola ele voou para a árvore em frente e ficou lá por dois dias
antes de alçar voo para o mundo. Como você, meu filho.
O Lobo ficou uns três dias sem comer, amuado num canto.
Achei até que ele não ia aguentar. Sabe, todos os dias bem na horinha que você chegava em nossa casa, do trabalho, o Lobo vai pra frente do portão e
fica sentado esperando, esperando, esperando...
Assim como o Lobo, eu também te espero. Quando vou deitar,
passo pela sua cama pra dar boa noite, mas ela está vazia. Sabe aquele bolo que
você tanto gosta? Eu nunca mais o fiz...
Filho amado, você está dormindo e comendo direitinho? Tem
se agasalhado direito? Disseram-me que aí nessa cidade faz muito frio.
Ah, a Ritinha foi pra capital fazer a tal da faculdade.
Ela é uma boa moça e está te esperando, assim como eu te espero meu filho. Não
demora não. Eu não sei quanto tempo mais eu vou aguentar essa dor que rasga meu
peito e amortece a minha alma.
Que o Padim Padre Cirço te proteja de todo o mal.
Com todo amor da sua mãe, Martha.
Profundamente tocante... Precioso texto...
ResponderExcluir.
Wolô
Ler seu comentário foi importante para mim, pois é um homem sensível, músico e poeta. Obrigada.
ExcluirArrasou!
ResponderExcluirFoi gostoso descobrir que não escrevo apenas textos engraçados. Dizem que é mais difícil escrever coisas engraçadas, mas eu acho que textos como este que publiquei são mais difícil de atingir a sensibilidade do leitor.
ExcluirMuito linda, Helô!
ResponderExcluirÉ muito difícil quando os filhos se vão...mas sabe, um dia eles voltam, com neto e tudo mais, rsrsrs
beijo
neli
E diga-se de passagem: Um netão (rsss) lindo e abençoado e que já nasceu cercado de muito amor e carinho.
ExcluirÔ saudade do tempo que se foi, dos momentos vividos com tantos queridos...
ResponderExcluirTambém, do tempo que a gente enviava cartas e ansiava pelas respostas aguardando o carteiro passar no portão.
Helô querida, naquele tempo os filhos ainda não tinham nascido - e ainda era o tempo dos meus pais, assim como a D. Martha, aguardarem notícias e esperarem o reencontro.
Mais um lindo texto, que você nos presenteia a alma.
Beijo,
Jackie
Pois então amiga. Foi um desafio, pois tudo o que escrevo sempre tem um tom cômico, até mesmo as tragédias. O cenário que me passaram era a despedida do filho na porta de casa. Como mãe, me coloquei na alma da dona Martha. E saiu este texto.
ExcluirAgora eu só quero saber uma coisa: essa imagem da carta, é a original? Aquela que Dona Martha ditou? Amei, Helô!
ResponderExcluirOi Fernanda. Se você clicar na imagem ela abrirá e poderá ler a carta, com a letra sofrida da dona Martha.
ExcluirMuito, muito bom. Mal comecei minha carreira como mãe e já sinto uma pontada no coração.
ResponderExcluirbeijo :)
Eu imaginei tudo - a cidade em Pernambuco, a vendinha, a dona da vendinha, o sítio da mãe que sofre. Muito, muito bom!
ResponderExcluirTatiana Fonseca Franco
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOh!! Muito bom. Se o propósito era avaliar sua capacidade de atingir as emoções do leitor, você conseguiu. A gente fica com uma peninha da mãe, e querendo saber mais do João. Parabéns viu? Sempre achei que você deveria escrever um livro de contos. Você é mesmo muito boa nesse negócio!
ResponderExcluirAbração.
Adorei Helo!!!Vc escreve muito bem!Como a Tati tb imaginei a cena.
ResponderExcluirEscreva sempre.bjks Cris
Parabéns Heloiza! Sempre fico pensando que os meus filhos precisam voar... mas após ler a carta da Dona Martha, eu pude sentir, mesmo que por um instante, as cores indo embora e levando com elas todos os sabores e o doce do mel...
ResponderExcluirLu, a gente consegue sentir a dor da mãe. Meus parabéns!
ResponderExcluirCaramba, titia! Você escreveu a carta de próprio punho também?? hahahah! A história ficou muito boa! Realmente, pouco se pensa no lado de quem fica... Espero que meus pais sintam minha falta assim, quando eu for alçar voos também! =)
ResponderExcluirHelô!
ResponderExcluirQue bacana...seu texto me reportou para o local...senti a agonia das impossibilidades da mãe e da Solange, algo tão difícil e sofrido. A ruptura de um contato materno intempestivo para ela, o vazio no coração daquela. A partida sempre dolorida, pois não existe versão mais manera, sempre ficam lembranças e saudades...um vazio que permeia a realidade.
Parabéns!
Super beijo querida!