Um cão chamado Paquito


Meu encontro com Paquito.


Travada e vencida todas as batalhas das adaptações à nova casa e família, fui ter meu primeiro dia de aula na nova escola. Além de ser uma nova cidade e nova escola eu também estava estreando um novo período: o noturno. Nunca havia estudado durante o período noturno. Achei estranho, mas acostumei-me.

Quando terminou meu primeiro dia de aula noturna voltei correndo para casa com fome e com sono. Desesperadamente, fui logo metendo a mão na tramela do portão para abri-lo, quando olho mais atentamente percebo algo se mexendo na varandinha.

Surpresa! Alguém se esqueceu de me avisar que naquela casa havia um cachorro, que ficava preso durante o dia e solto ao escurecer. Ah, e também se esqueceram de avisar ao cachorro que havia uma nova moradora naquela casa. De pouca carne e ossos finos, mas que poderia dar um bom petisco.

Quando o cão ouviu ruídos de passos se aproximando do portão e o barulho da tramela deu um salto e veio com tudo em minha direção e eu recuei.

Que susto. Fiquei branca de medo. Minhas pernas bambearam e meus olhos se turvaram. E agora? O que fazer? Naquele tempo não existia celular e pela escuridão, todos já estavam dormindo.

O jeito era esperar o cachorro se distrair para eu abrir o portão, correr e entrar. É, parecia que a noite seria longa. Fiquei com câimbra nas pernas de tanto esperar esse cachorro sair de frente da porta da cozinha pra eu entrar.

Depois de sabe-se lá de quanto tempo, passou um cavalo na rua, em frente da casa, e ele saiu correndo. E então, silenciosa como um gato. Numa rapidez nunca vista. Abri o portão. Entrei. Fechei-o e corri até a porta da cozinha, que era a mais próxima. Abri a porta e entrei. Ufa. Quando estava terminando de fechar a porta ainda pude sentir o bafo do cão que já estava de volta ao posto original.

Essa foi por pouco. Finalmente pude me recompor, comer e dormir. E no dia seguinte fui, finalmente, apresentada ao Paquito.
Um cachorro solitário que passava seus dias preso numa corrente ao lado de sua casinha.

Minha irmã não gostava do Paquito, quer dizer, ela não gostava de cães. Por isso ele só podia circular livremente pelo quintal depois que ela se recolhesse para dormir.

Ao contrário de minha irmã, meu cunhado amava profundamente aquele cão. Paquito era seu amigo fiel. Parceiro das madrugadas de domingo quando partiam felizes pela mata afora para caçarem codornas ou pacas.

Quando meu cunhado viajava para comprar suprimentos, ao retornar de viagem, ele, antes de qualquer coisa, ia ao quintal olhar como estava seu amigo fiel. Então ele conversava e acarinhava o animal. Depois ia para a cozinha e preparava um cozido de bofe com fubá para o Paquito se esbaldar. Havia uma cumplicidade e uma amizade além do explicável. Só depois é que meu cunhado ia para a loja conversar com minha irmã e as funcionárias.

Parecia que Paquito sabia que minha irmã não gostava dele, pois ele quase não latia. Ficava sempre deitado, dormindo. E minha irmã sempre falava:
- Esse homem parece gostar mais do cachorro do que do resto. Ele chega de viagem e mal coloca a mala no chão e vai correndo olhar o animal.

Eu sempre achei meu cunhado uma pessoa reservada e séria. Um homem de poucas palavras. Em apenas dois momentos eu via seus olhos brilharem e voltar a ser como uma criança. Uma era quando ele brincava com sua pequena filha fingindo ser um cavalo e a colocava sobre suas costas para a pequena cavalgar. Os dois ficavam um bom tempo brincando de pocotó, pocotó.  E o outro momento era quando estava junto do Paquito.

Paquito era uma figura. Da raça pointer inglês, ele era caçador. Ia à frente de meu cunhado pelas invernadas. Quando via uma codorna o seu corpo enrijecia, o rabo esticava e apontava na direção da caça para o meu cunhado atirar. Formavam uma boa dupla.

Diversas vezes sitiantes, amigos do meu cunhado, pediam o Paquito emprestado para alguma caçada. Meu cunhado não negava o empréstimo. Aí no dia seguinte a pessoa voltava à loja muito sem jeito, pois o Paquito, inexplicavelmente, havia fugido do sítio.

Minha irmã ficava com um risinho de felicidade com o sumiço do bicho. Este sorriso durava, às vezes, uma semana, porque dia menos dia a gente ouvia uma batida na porta e meu cunhado corria para abrir com a certeza de que era Paquito voltando para casa. 

Sujo e mais magro. Ele sempre voltava não importando quão distante era o sítio que fugira. Ele sempre voltava pra casa, para a alegria de uns e tristeza de outra... Se ele pudesse falar, acho que diria:
- Engula esse riso de vitória mulher, porque o Paquito está na área.

Às vezes meu cunhado colocava a mim e a pequena no banco traseiro do carro e falava:
- Vamos levar o Paquito pra passear?
Meu cunhado dirigia pela cidade e o Paquito corria atrás do carro. Eu olhava para trás sempre imaginando que o cão não alcançaria o carro e que iria se perder. Ao invés disso eu via aquele cão magrelo, branco com pintas marrom e orelhas ao vento. Suas enormes orelhas balançavam como flâmulas enquanto sua língua pendia fora da bocarra. De vez em quando o perdíamos de vista, mas logo ele nos alcançava.

Com o tempo Paquito tornou-se meu amigo, quer dizer, nos acostumamos um com o outro. Ele me esperava chegar da escola todas as noites. Ficava sentado na esquina e quando me via corria ao meu encontro e voltávamos lado a lado.
De vez em quando o Paquito se soltava durante o dia, e por vezes me colocou em apuros. Quando eu descia a única avenida comercial da cidade ele me acompanhava. Ao passarmos pelas lojas de tecidos o danado do cão parava em frente aos rolos de tecido que ficavam escorados na porta para chamar a freguesia. E ele simplesmente levantava a perninha e tirava a água do joelho... E eu? Ah, eu fazia cara de paisagem e acelerava o passo antes que o turco percebesse.

Paquito era lindo, irresistível mesmo. Havia um médico na cidade que tinha um canil com diversos cães de raça de pequeno porte. Quando chegava o período do cio era uma operação de guerra. O médico montava um arsenal de coisas tentando impedir que Paquito invadisse o canil para namorar as donzelas no cio. Infelizmente não havia muro, cerca ou gradil que pudesse impedir um cão como o Paquito. Cheio de amor pra dar.

E o amanhã? O amanhã fica para amanhã. O médico pedindo explicação e meu cunhado sem ter o que explicar. O Paquito? Dormindo com um sorriso de orelha a orelha.

Hoje Paquito deve estar correndo pelas pradarias celestiais e nos sonhos do meu cunhado.


Comentários

  1. Alimento preferido do Paquito: sorvete (o meu, e claro). Eu, meu sorvete e Paquito me derrubando para rouba-lo.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom Helô. Continue escrevendo, porque vou continuar lendo!!
    Beijão!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Volte sempre que sentir saudades. E por favor, registre aqui a sua opinião:

Postagens mais visitadas deste blog

Poda

A minha mãe não morreu.

A Partida (na visão de quem fica)