De que cor é a alma? - Parte 1
De
que cor é a alma?
Ela é redonda ou quadrada?
Eu me sentia insegura assustada e, um pouco sem saber como me comportar diante daquele homem que eu vira pela última vez quando tinha uns seis ou sete anos...
E eu estava com apenas treze anos. Era
julho de 1974. Entrei no ônibus com aquele homem de poucas palavras... Viajamos
por toda a noite e ele só falou comigo duas ou três vezes. Perguntou se eu
estava com fome, com frio e depois, a certa altura da madrugada, ele abriu sua
mala, retirou de dentro duas toalhas de banho e cobriu-me.
Quando nós partimos de São Paulo eu
vestia apenas uma calça e uma camiseta de mangas longas. Em minha infantil
ingenuidade não pensei que pudesse esfriar durante a madrugada, e justamente naquela noite geou... Estávamos no mês de julho. Eu me enrolei e me
encolhi debaixo daquelas toalhas rezando para que chegássemos logo, mas pelo
contrário. Parecia que a viagem durava uma eternidade.
A certa altura da madrugada, o
motorista parou para abastecer e depois num outro momento para jogar água nos vidros
do para-brisa, pois os mesmos estavam com uma camada fina de gelo que impedia a
visão, e como consequência, de seguir a viagem.
Finalmente, chegamos a uma pequena
cidade umas doze horas depois de termos partido de São Paulo. Transferimos
nossas malas do ônibus para o carro que estava nos aguardando...
A viagem não havia acabado, pois não
tínhamos chegado ao destino. Novamente pegamos a estrada. Desta vez, de carro.
Já não estava mais frio como a madrugada. Eu ia olhando a paisagem cheia de
plantações de café e de pastagens com gado bovino. Enquanto aquele homem
dirigia rumo ao desconhecido... Pelo menos para mim era desconhecido...
Depois de duas horas sacolejando
dentro do carro, chegamos àquela minúscula cidade. O carro percorreu uma
avenida larga e empoeirada só parando diante de uma loja. Não dava para ver as
paredes dessa loja, nem por fora, tampouco por dentro. Elas estavam cobertas de
malas, bolas coloridas, roupas. Toda a sorte de produtos... Tudo ficava exposto.
Dava a impressão de que havia mais coisas do que aquele espaço podia comportar.
Uma verdadeira explosão de cores e formas. De material escolar a apetrechos
para caça e pesca; de presentes para casamento a vestidos de noiva.
De repente, saiu detrás do balcão
minha irmã com um enorme sorriso estampado no rosto. Sua barriga estava imensa,
roçava em tudo e todos, até parecia que ia explodir. Deu-me um abraço apertado
e foi logo perguntando sobre a viagem.
Enquanto isso, o homem de poucas
palavras, que era seu marido, meu cunhado, passou para o lado de dentro do
balcão da loja e foi dando ordens para suas funcionárias que corriam de um lado
para o outro procurando atender as demandas do patrão.
Minha irmã pegou-me pela mão e foi me
levando pela calçada. Eu estava aturdida pela viagem cansativa e longa, e
também pelo novo cenário que se descortinava diante dos meus olhos. Então pude
perceber que ao lado da loja havia um açougue. E minha irmã parou diante do
açougue e falou:
- É a minha irmã Detinha. Veio de São
Paulo fazer companhia para a minha filha e me ajudar quando o bebê chegar.
Detinha era a mulher do açougueiro.
De origem nordestina, pele dourada e um sorriso encantador. Também era mãe de
um menino encapetado, que fazia arte sem parar. Vivia para aprontar.
- Seja bem vinda menina. Depois passa
lá em casa pra gente prosear.
Ao lado do açougue havia um corredor largo, de
chão batido e sem portão. Esse corredor dava acesso à casa do açougueiro e da
mãe dele, e no final deste corredor tinha um portão para a casa da minha irmã.
A casa era toda de madeira, sem
pintura, com uma varanda na parte da frente e uma varandinha nos fundos. Aliás,
todas as casas ali eram de madeira sem pintura. Também havia uma casinha menor
ao lado da varandinha que era o mictório.
Ela girou a tramela e empurrou o
portão dizendo:
- Oiiii. Advinha quem chegou? Olha
quem a mamãe trouxe pra brincar com você: A tia Luiza.
Minha irmã falava com voz de bebê. A
princípio achei esquisito, mas depois me acostumei e até incorporei.
Olhei ao lado da casa e vi uma
menininha agachada brincando no terreiro (quintal). Ela virou-se calmamente e
então pude ver um par de olhinhos curiosos a me observar.
Foi nosso primeiro encontro. Aquela
menina franzina, de rosto redondo emoldurado por lindos cachinhos castanho escuro,
e com enormes olhos castanhos. Ela vestia apenas uma calcinha cheia de
babadinhos e laços. Observando melhor, percebi que calçava um par de botas ortopédicas
que pareciam serem desconfortáveis e pesadas. Dava aflição olhar um ser tão
pequenino e frágil dentro daquele par de botas pesados e sem graça.
Eu não sei o quanto ela sabia sobre
mim, mas eu também não sabia muito sobre ela. O que eu sabia era que minha mãe
havia me despachado de São Paulo para o Paraná, aos treze anos de idade, para
fazer companhia à filhinha da minha irmã e também para ajudá-la depois que o
bebê nascesse. Quanto tempo eu iria ficar lá? Qual a minha experiência no
assunto? Porque eu?
To be continued... :D
O menino encapetado não era filho da Detinha, era sobrinho dela, corri dele minha infância interira! O menino era o cão, morria de medo dele. Bjs.
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