De que cor é a alma? - Parte 3


De que cor é a alma?

                      Ela é redonda ou quadrada?

         
De banho tomado, mictório enfrentado e vencido, era hora de fazer um rápido reconhecimento de área. Então comecei um pequeno tour pela casa. Ela fazia frente para uma rua que era travessa da avenida principal da cidade. Havia sido construída nos fundos do terreno, e por isso tinha um grande quintal na frente da casa. 

Geralmente casas de madeira são construídas acima do nível do chão de terra para proteger de animais rasteiros e também para conservar a madeira por mais tempo. Então para chegar até a varanda havia uma escada com uns quatro degraus. Desta varanda podia-se entrar na sala de estar. Depois havia um pequeno e estreito corredor com dois quartos, um em frente ao outro. O corredor terminava na cozinha e banheiro, e a porta da cozinha saía numa pequena varanda onde havia em frente um tanque de cimento para lavar roupas, de um lado o mictório e do outro um pé de limão.

Ah, se esse limoeiro pudesse falar. Foi meu companheiro de alegrias e tristezas. Sempre que podia eu estava no pequeno limoeiro. Gastava um tempo comendo limão com sal. Uma delícia para quem gosta, é claro.

Então minha irmã interrompeu meu tour e falou:
- Daqui a pouco você coloca a “filhota” na cama e conta uma historinha para ela dormir. Você precisa colocá-la para dormir todos os dias depois da hora do almoço.

E eu pensei: “Uai! É assim que funciona? A gente conta uma história e a criança dorme? Plim! É mágico? E se ela não estiver com sono? O que eu faço?”.

Percebi que o grande desafio estava por vir e eu precisaria ganhar a confiança e a amizade daquela pequena de cabelos cacheados, e de quebra realizar a proeza de fazê-la dormir todos os dias no iniciar da tarde. Como diria um amigo: “Facin, facin!”.

E chegou o grande momento. Convidei a menina para irmos até o quarto porque eu iria contar-lhe uma historinha bem bonita.

Coloquei-a na cama, descalcei suas botas e pedi que fechasse os olhos. E comecei:
- Era uma vez...

Contei uma história longa, cheia de detalhes, misturei príncipes e princesas, sapos, bruxas e toda a sorte de personagens. E a pequena estava deitadinha, de olhinhos fechados e com a respiração tranquila. 
Ah, que alívio. “Facin, facin”.

Também, com uma história assim até eu dormiria. Então eu me levantei devagarzinho, pois estava ajoelhada ao lado da cama e fui saindo de mansinho. Foi quando ouvi uma vozinha:
- Conta de novo?
- Você não dormiu? Quer que eu conte a mesma história? Não pode ser outra? Chapeuzinho Vermelho? Os três porquinhos?
E ela repetiu:
- Conta de novo?

Por essa eu não esperava. E agora? Como repetir aquele conto de fadas “Frankstein”? Como eu poderia adivinhar que a menina não pegaria no sono com uma história tão longa? Ao invés disso, o que eu causei nela foi pura curiosidade e vontade de ouvir mais.

E então eu contei novamente a história, mas não exatamente igual à primeira, pois não seria capaz de repeti-la. E ela ainda de olhinhos fechados e um leve sorrisinho nos lábios ouvia a minha história. De novo...
Quando terminei de contar eu já estava exausta e ela mais uma vez sem abrir os olhos:
- Conta de novo?

Quando eu, esgotada, já estava terminando de contar a mesma história pela décima vez, sentada no chão, tronco sobre a cama e com os olhos quase fechados de sono. Eis que a pequena arregala os olhos e saca uma, duas, três pergunta a queima roupa:
- Tia, alma tem cor? De que cor é a alma? A alma é redonda ou a alma é quadrada?

Enquanto perguntava foi logo se sentando na cama toda serelepe, com um pontinho de interrogação na testa.
E eu, no alto dos meus treze anos de vida, fiquei atônita olhando para aquela menina que me fez contar a mesma história umas dez vezes. 
Quase me botou pra dormir. E ainda de quebra me colocou em xeque, porque eu não sabia a resposta.

Afinal a alma tem cor? De que cor é a alma? A alma é redonda ou a alma é quadrada?

Será que essa menina, hoje mulher, encontrou a resposta? Ou será que hoje, assim como eu, ela olha para um lindo rostinho com um par de olhos escuros e escuta a pergunta que não quer calar:
- Mãe, de que cor é a alma? Ela é redonda ou quadrada?

Comentários

  1. Helô ... eu gostei você conta de novo .....
    Brincadeiras a parte essa historia tem que continuar .... estou aguardando! Preciso saber se o misterio foi resolvido e de que forma.
    Bjs.
    Ana Rita.

    ResponderExcluir
  2. Demais Helô,quero ler o restante... Suas histórias me deixam mais e mais curiosa pra saber o restante!!
    Parabéns querida, você tem mesmo muito talento para escrever. Espero que um dia isto seja conhecido e reconhecido por muitas gentes! Beijos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Volte sempre que sentir saudades. E por favor, registre aqui a sua opinião:

Postagens mais visitadas deste blog

Poda

A minha mãe não morreu.

A Partida (na visão de quem fica)